Pode uma imagem fazer a diferença?

miudo sirio

Foto: Nilufer Demir/Reuters/DHA

 

 

Há quanto tempo vamos ouvindo falar aqui e ali dos “migrantes” que estão a entrar na Europa? Habituamo-nos a ouvir falar deste problema e a ignorá-lo. Os meios de comunicação vão relatando centenas de mortos aqui, outras centenas ali, e nós ouvimos, engolimos e seguimos em frente. Estamos anestesiados em relação a este problema, parece algo distante que não nos afecta e não nos compete ajudar a resolver.

Recentemente tenho começado a sentir uma maior preocupação com este assunto mas não minimamente suficiente. Hoje, uma imagem fez o mundo olhar para este problema. Um menino sírio de 3 anos chamado Aylan Kurdi morreu afogado ontem à noite a tentar chegar à Europa e as imagens que surgiram chocaram. Quantas crianças já morreram com esta crise e foram ignoradas?

O nosso primeiro ministro, Pedro Passos Coelho gaba-se de conseguir reduzir a cota de refugiados a acolher, de 2000 para 1500. Em 2014 era de 45 refugiados. Não recebemos nenhum.

Mas o que acontece quando UMA imagem nos faz saltar das cadeiras e arrepiar com o sofrimento de milhares de pessoas?

A imagem choca. Pode ser chamada de sensacionalista, de desnecessariamente violenta, de facilmente vendável. Quando vemos imagens violentas e ouvimos notícias de mortes de milhares de refugiados diariamente e nada disto nos choca, nada disto nos revolta, imagens assim tornam-se de um valor incomensurável. Veremos esta imagem durante muito tempo, ela será o símbolo desta crise, assim como outras imagens igualmente chocantes foram o símbolo de outras: a rapariga que fugia de uma explosão de napalm no Vietnam, a criança quase morta com o abutre à sua espera (que causou o suicídio do fotógrafo Kevin Carter). São imagens chocantes, terrivelmente violentas, mas são necessárias. Não é a taparmos os olhos que os problemas se resolvem. Nem a criticar a imagem da crise, por termos de a ver e ser violenta. Temos de parar a crise! Temos de encarar os problemas de frente e imagens assim obrigam-nos a isso.

South Vietnamese forces follow after terrified children, including 9-year-old Kim Phuc, center, as they run down Route 1 near Trang Bang after an aerial napalm attack on suspected Viet Cong hiding places, June 8, 1972. A South Vietnamese plane accidentally dropped its flaming napalm on South Vietnamese troops and civilians. The terrified girl had ripped off her burning clothes while fleeing. The children from left to right are: Phan Thanh Tam, younger brother of Kim Phuc, who lost an eye, Phan Thanh Phouc, youngest brother of Kim Phuc, Kim Phuc, and Kim's cousins Ho Van Bon, and Ho Thi Ting. Behind them are soldiers of the Vietnam Army 25th Division. (AP Photo/Nick Ut)

AP Photo/Nick Ut

 

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Vivemos numa sociedade alienada, que não quer olhar para os problemas cada vez maiores que existem. Que desistiu. Serão imagens assim capazes de agitar o suficiente para fazer alguém acordar e começar a lutar?

 

 

Foto: Kevin Carter

 

Poder-se-ia pensar que mostrar esta criança seria indigno para ela, quase desrespeitador. Não o vejo assim. Se a imagem da sua morte for capaz de acordar a sociedade para este problema e ajudar a resolvê-lo, então todo o horror ou “indignidade” que se poderia associar a esta imagem desaparece, tornando-a quase heróica.

Recentemente imagens como estas são desvalorizadas dentro do mundo da fotografia, como desnecessariamente chocantes, como corriqueiras, usando o choque para chamar a atenção para elas. A norma nos dias de hoje é fazerem-se imagem depois dos eventos acontecerem, paisagens desoladoras depois de uma guerra, espaços vazios, mas o impacto destas imagens, para além de só acontecer depois destes acontecimentos terem terminado e já não haver nada a fazer, é mínimo. É preciso ver a imagem atentamente, ler sobre ela, entender o que ela quer dizer depois de nos deixarmos emergir no seu mundo.

Numa sociedade em que estamos dessensibilizados para a violência, em que ouvirmos notícias de mortes de milhares de pessoas não nos afecta, se é possível existirem imagens que têm um impacto imediato, que nos abanam, nos arrepiam e nos fazem finalmente ver determinada situação pelo que ela é, esta imagens são essenciais! Enquanto imagens como esta nos fizerem olhar para um problema desta dimensão existirem, talvez seja possível despertar consciências e mudar o mundo.

 

 

Sem Abrigo na Assembleia da República

Um pequeno milagre social

Pierre Bourdieu, o famoso sociólogo francês, chamou-lhes um “milagre social”. Referia-se aos movimentos de desempregados. O comentário aplica-se a todas as tentativas de mobilização das pessoas mais pobres, particularmente das que se encontram fora dos coletivos de trabalho.

Perante estes obstáculos, um movimento social de pobres ou de desempregados seria, por isso, um milagre improvável. E no entanto, os milagres acontecem.

No momento em que escrevo vou a caminho de Lisboa com sete pessoas que fundaram no Porto o movimento “Uma Vida Como Arte”. Trata-se de um coletivo de cidadãos sem-abrigo que se organizaram para denunciar o problema e fazer propostas. Só na cidade do Porto existem mais de 2 mil pessoas em situação de sem abrigo. Na rua, há cerca de 100 que estão sinalizadas pelas instituições. Outras 400 vivem em 238 casas abandonadas na cidade. As restantes, distribuem-se entre pensões pagas pela segurança social, instituições ou casas que os acolhem.

O movimento “Uma Vida Como Arte” começou por fazer um inquérito de rua junto de pessoas e instituições. Identificaram os problemas relacionados com o acesso à saúde, à habitação, ao emprego, mas também com as falhas das instituições. E denunciaram o modo como a assistência aos sem-abrigo se transformou num negócio. Um exemplo? Basta pensar nas cantinas sociais. Como alguns investigadores alertaram, o mesmo Governo que cortou os apoios sociais às pessoas mais pobres (no Porto, os beneficiários do Rendimento de Inserção eram mais de 100 mil em 2011 e são hoje cerca de metade) e que diminuiu os montantes que cada família recebe, transformou as cantinas num lucrativo negócio para algumas instituições.

Mas este está longe de ser o único problema. Uma das reivindicações do movimento é que se abra um inquérito à morte das pessoas sem-abrigo.

Neste ano que corre, morreram já 8 na cidade do Porto. Em 2013 tinham sido 27. Entre 2006 e 2012, foram 18 sem abrigo por ano.

Os números arrepiam. E correspondem apenas a pessoas que estavam a ser seguidas pelo NPISA (Núcleo de Planeamento e Intervenção junto das pessoas em situação de Sem Abrigo). Estas mortes acontecem no mais denso silêncio e sem identificar onde é que podia ter sido feito mais (pelo Estado, pelos técnicos, pelas instituições, pelos serviços de saúde) para evitá-las.

Hoje, estas pessoas tomam a palavra no Parlamento. Entre outras coisas, para explicar por que razão decidiram processar o Estado por violação dos Direitos Humanos. Em si mesmo, que ocupem o Senado da Assembleia da República, instituição que lhes pertence, e que ali digam da sua realidade e de sua justiça é já transformador. Mas não chega. É preciso que sejam ouvidas.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a17 de julho de 2015

José Soeiro
Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.

 

 

 

Workshop “Iniciação à Fotografia” + Sessão Indivual “A sua máquina fotográfica explicada”

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Apresentação e ficha de inscrição

A realizar no mês de Outubro n’A Cadeira de Van Gogh (Rua Morgado Mateus – Porto).

Mais info: adrianamelophotography@gmail.com

Apresentação workshop Introdução à fotografia

Apresentação sessão a sua máquina explicada

Ficha de inscrição_Iniciação à fotografia

Ficha de inscrição_a sua máquina fotográfica explicada